“AOS PAIS DE MEUS NETOS”
Cartas de um avô aos pais de seus netos – G. C. Willis
ANÁLISE DE FAMÍLIAS DA BÍBLIA
Vamos agora analisar a família de Arão. Ele tinha quatro filhos:
Nadabe, Abiú, Eleazar e Itamar. No capítulo 8 e 9 de Levítico, temos um relato muito interessante, e, ao mesmo tempo, mui sério, da consagração de Arão e seus quatro filhos. Eles tinham sido introduzidos em uma posição que, dentre todos os israelitas, eram eles os que estavam mais próximos a Deus. Nenhum outro jovem gozava o mesmo privilégio que Ihes cabia.
Da parte do pai, eram filhos do sumo-sacerdote, e da parte da mãe eram sobrinhos do príncipe de Judá, da linhagem real.
O fim de Levítico 9 relata o auge maravilhoso de todas aquelas cerimônias de consagração que duraram oito dias: "E eis que saindo fogo de diante do Senhor, consumiu o holocausto e a gordura sobre o altar: o que vendo o povo, jubilaram e prostraram-se sobre os seus rostos".
Diante disso, como é terrível ter que ver, já nos primeiros versos do próximo capítulo, que Nadabe e Abiú ousam oferecer "fogo estranho" ao Senhor. E qual foi a consequência? "Então saiu fogo de diante do Senhor, e os consumiu; e morreram perante o Senhor". Pode até ser que a razão desta atitude tenha sido a embriaguez, se quisermos julgar segundo Lv 10:9, contudo não podemos dizê-lo ao certo. Mas que juízo instantâneo e severo contra estes que estão na posição de maior privilégio e ousam se aproximar de Deus, segundo sua própria maneira! Que horrível é ver o filho mais velho, o único na linhagem para o maravilhoso ministério do sumo-sacerdote, ser instantaneamente aniquilado! Mas quanto maior o privilégio, maior a responsabilidade.
"Porém Arão se calou". O coração de um pai sente por Arão ao considerar o tormento deste momento. Enquanto não abria sua boca... será que não fez uma retrospectiva do passado? Já passou um ano desde que ele próprio fez o bezerro de ouro, e induziu o povo àquele festejo repugnante? Que exemplo tinha dado a seus filhos! É de se admirar, que não davam muito valor para a honra devida a Deus, sendo que viram seu próprio pai falhar de forma tão terrível? Não é nenhum consolo, neste momento de choque, saber que somos parcial ou totalmente responsáveis pelos pecados de nossos filhos! Tal como Arão, só nos resta nos prostrarmos de coração quebrantado e "calar".
Mas, ao contemplar a família de Arão, temos tanto advertência como também consolo. Como é bonito ver Eleazar assumindo o lugar do pai, quando este morreu! Quando seguirmos o caminho de Eleazer pelo livro de Josué, e vermos o crescimento de seu filho Finéias, como este segue as pisadas de seu pai e avô, então isto alegra e consola o coração (veja Js 22). E, de fato, a honra do sacerdócio ministrado pelos dois filhos Eleazar e Itamar perdurou enquanto durou o sacerdócio "segundo a ordem de Arão". Mas agora já se levantou um outro maior sumo-sacerdote, segundo a ordem de Melquizedeque e não segundo a ordem de Arão, e nele não há mácula.
Foi graça, nada mais que graça, Arão ter tido esta honra, esta alegria e esta benção em seus filhos e netos - isto sem levar em conta a dor por sua falha e pecado. Graças ao Senhor, nós temos este mesmo Deus e dispomos da mesma graça, com a qual podemos contar apesar de todas as nossas falhas!
Raabe
Aqui temos mais uma ocasião para regozijo de nossos corações. Aqui vemos mais uma vez como Deus tem prazer em recompensar ao que tem fé; pois os filhos são a herança do Senhor, e o fruto do ventre é uma recompensa (SI 127:3). Porém a recompensa que o Senhor concedeu a Raabe não foram somente filhos.
Todos vocês conhecem a sua história. Vocês sabem: ela era uma gentia que morava em Canaã; uma daquelas que estava destinada para ser completamente destruída. Vocês sabem, ela era uma prostituta. Mas vocês já pararam uma vez para pensar sobre a fé dela, e sobre a recompensa que teve por isso? Vocês estão lembrados que o seu nome está incluído naquela menção honrosa dos heróis da fé, listados em Hebreus 11?
Em Josué 2:9 ela diz: "Bem sei que o Senhor vos deu esta terra,... porque temos ouvido que o Senhor secou as águas do Mar Vermelho diante de vós...". Ela emprega aqui a verdadeira linguagem da fé: "eu sei", não" eu penso" ou "eu acho", mas, "eu sei". Isto é fé de verdade. A fé vem pelo ouvir, mas todos em Jericó haviam ouvido, porém quem creu foi só Raabe. Logo, a única que "sabia" era Raabe. Note como isto é algo bem pessoal:
Embora diga: "(nós) temos ouvido", só pode dizer" eu sei". Ela sabia que o Senhor daria a terra a Israel; ela sabia que o juízo e a destruição de Jericó já estavam determinados, e ainda assim, pede, não por sua própria vida, porém por "beneficência à casa de meu pai; e dai-me um sinal certo de que dareis a vida a meu pai e a minha mãe, como também a meus irmãos e a minhas irmãs, com tudo o que têm, e de que livrareis as nossas vidas da morte"!
E qual foi a resposta? O Senhor porventura refuta o pedido, dizendo que já pediu demais? Teria dito: "Não Raabe, é certo que você será salva, mas os teus entes queridos não podem ser salvos por causa de tua fé?" O que falou, de fato, não foi nada disso. A promessa do Senhor foi: "toda a família de teu pai" (Js 2: 18). Isto faz lembrar a maravilhosa palavra, dita ao carcereiro em Filipos: "Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa" (At 16:31). Mas que ninguém pense, que para a salvação não seja necessária a fé pessoal. É certo que é necessária. Porém Deus se agrada quando o indivíduo reivindica - por meio da fé - a favor de toda a família; e foi o que fez Raabe.
Quando os espias vieram para tirar Raabe dentre a cidade que se perdeu, tirá-la da casa protegida pela marca do cordão de fio de escar1ata atado à janela, encontraram ali a "seu pai, e a sua mãe, e a seus irmãos, e a tudo quanto tinha; tiraram também a todas as suas famílias, e puseram-nos fora do arraial de Israel" (Js 6:23). Veja que não disseram:
"Raabe, você exagerou." Pelo contrário, é com grande alegria que o Senhor relata a grandeza da fé de Raabe, e ela é honrada por isso. Tal como disse a uma outra mulher canaanita, quando aqui viveu, o Senhor certamente lhe teria dito o mesmo: "Ó mulher! grande é a tua fé; seja isso feito para contigo como tu desejas" (Mt 15:28). Não, uma fé que recusa levar nossa "família", levar nossa casa conosco para o lugar da benção de Deus, não é uma fé honrada por Deus; pelo contrário, eu até considero que esta atitude é indiferença - ou até mesmo descrença - ante a incomparável Graça do coração de Deus. E uma fé medíocre; desonra a Deus.
A salvação de "todas as suas famílias", no entanto, foi apenas o começo de sua recompensa. Vocês conhecem Raabe; muito bem, mas vocês também conhecem a seu marido e a seu filho? Em Jericó era apenas uma prostituta; mas o que era em Israel? Ela se casou com Salmon (Mt 1 :5), o filho de Naassom, príncipe dos filhos de Judá (1 Cr 2:10) e líder da tribo que foi a primeira a partir em direção ao deserto (Nm 10:14). Dessa forma, foi introduzida diretamente na linhagem real de Israel, uma das mais honradas famílias, e se tornou ainda em ascendente do Messias. Ela é uma das quatro mulheres mencionadas na genealogia de nosso Senhor.
Mas isto ainda não era tudo. A irmã de Naassom, Eliseba, era esposa de Arão, o Sumo Sacerdote. Vejam que honrada posição alcançou esta pobre prostituta de Canaã! Nora de um príncipe em Israel, pelo casamento tomou-se sobrinha do Sumo-Sacerdote; é citada pelo nome na genealogia do Messias, listagem em que nem nomes como Sara, Rebeca e Raquel são mencionados; e seu nome ainda aparece em outra lista, a grande lista da fé em Hebreus 11. A tudo isso acrescente-se que Deus lhe deu um filho, Boaz, que significa "força"; este que teve por esposa a Ruth, a moabita, que também tem seu nome mencionado na linhagem real; e Boaz e Rute os bisavós de Davi, o rei.
Que grande recompensa Raabe obteve por sua fé!
Jefté
Na história de Jefté (Juízes 11) vemos a triste mágoa de um coração paterno. Ele foi, realmente, um homem de fé, e está enunciado entre os heróis da fé, em Hebreus 11. Porém, pela própria tolice, ele faz um voto precipitado; esse voto lhe trouxe tanta amargura: o prejuízo da própria filha.
Quantas vezes nós pais cometemos o mesmo erro que Jefté cometeu! Quantas vezes nos escapa uma palavra precipitada ou impaciente! Uma palavra por cuja anulação daríamos tudo. Mas é tarde. O prejuízo já foi causado.
Lembro-me muito bem daquela noite - faz muito tempo. Nosso filho mais velho devia ter uns 4 anos. Ele me ajudava a semear a horta. Ele gostava de me ajudar e eu gostava da ajuda dele. Eu tinha a impressão, de que ele acreditava (até demais!) naquela palavra que diz: "O que semeia com fartura, com abundância também ceifará". O menino lançava tanta semente, que o pequeno estoque já ia acabando. Tentei mudar sua maneira esbanjadora, mas sem êxito. Por fim, desesperado e muito impaciente, gritei: "Ah...! o pequeno ficou muito humilhado e ofendido. Sem uma palavra ele se virou e foi embora. Com satisfação eu teria dado toda aquela semente e ainda mais a horta, se pudesse ter revogado ou anulado por meio disto as minhas palavras - mas era tarde. O tom das palavras, talvez mais do que o teor delas, havia ferido o menino, e a cicatriz fica para sempre.
Nós, às vezes, não imaginamos como crianças podem ser sensíveis. Às vezes um riso estranho, um gesto, uma palavra irrefletida, ou impaciente, podem ter um efeito como o de uma flecha envenenada que, sem dar importância, deixamos cravada no coração da criança, onde fica roendo e ferindo.
Quão facilmente prometemos um castigo para a criança: "Se você fizer isto de novo, vou surrá-lo!" A criança já sabe: O pai não vai fazer isso; repete a travessura e nada acontece. Isso significa uma vitória para a criança, e com isso um passo dado rumo à perdição dela. A maioria entre nós carece aprender uma lição com a história de Jefté.
Sansão
Passemos para Sansão.
Vemos aqui um filho da promessa, que nos daria motivo às mais belas esperanças. Os pais eram tementes a Deus e tinham o desejo de educar bem o filho: "E o menino cresceu, e o Senhor o abençoou" (Jz 13:24).
Aparentemente a mãe era mais resoluta do que o Pai. Não temos, todavia, nenhuma menção de que ela tivesse agido de alguma forma. Caso tenha havido alguma falha ou negligência na educação do filho, parece que, então, a Escritura põe um véu sobre o fato. A lição que a história nos quer dar, parece ser de outro caráter. A história de Sansão é um daqueles trechos da Palavra de Deus, nos quais os pais crentes, pela consolação da Escritura, podem buscar esperança.
Um jovem forte, teimoso e esquisito era Sansão. Talvez poderíamos dizer que os pais não deveriam ter atendido, tão facilmente, o pedido dele, quando disse: "tomai-me esta, porque ela agrada aos meus olhos"(Jz 14:3). É quase certo que erraram. Sansão não é porventura, neste particular, a legítima figura dos nossos jovens? "Ela me agrada", ou "isso é bom para mim"; sendo motivo bastante, entre a juventude, para agir. Esquecem por completo Aquele, de Quem se relata: "Porque também o Cristo não agradou a si mesmo”.
Pode ser que os pais de Sansão falharam, em ceder aos desejos de seu filho, embora a Palavra não o diga: Pelo contrário, ela nos diz: "seu pai e sua mãe não sabiam que isto era do Senhor" (Jz 14:4). Que consolo isso traz aos nossos corações, diante de nossas falhas, poder ver registrado em letras de ouro: "Do comedor saiu comida, e doçura saiu do Forte". Todos os esforços do inimigo para desonrar o nome do Senhor, Ele os inverteu, assim que redundaram em prejuízo para o inimigo, e em honra para o nome do Senhor.
Isso não é desculpa para Sansão, referente a toda sua obstinação e pecado. É, porém, um consolo para um coração ferido, saber que é privilégio de Deus, fazer surgir bem de onde só há mal-tirar comida de dentro do comedor-doçura do forte. Ele faz com que a ira do homem redunde para Seu louvor. Aquele versículo:
"E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus”, ainda continua valendo! (Rm 8:28).
Essas são algumas instruções tiradas da história de Sansão, e que servem de conforto para nós pais. Será bom lembrarmo-nos de que o nome de Sansão aparece na lista dos heróis da fé, em Hebreus 11.