“ ESTUDOS SOBRE A PALAVRA DE DEUS”
Tradução de “Synopsis of the Books of the Bíble – John Nelson Darby
PRIMEIRA EPÍSTOLA DE S. JOÃO – CAPÍTULO 3
Ora, dizer que somos nascidos dEle é dizer que somos filhos de Deusl. Que amor este que o Pai nos concedeu, que sejamos chamados Seus filhos2! É por isso que o mundo nos não conhece, porque também O não conheceu, a Ele. Aqui, o apóstolo volta à sua aparição e ao efeito dessa aparição sobre nós. Somos filhos de Deus; é a nossa posição atual, segura e conhecida somos nascidos de Deus! O que nós seremos não foi ainda manifestado; mas sabemos que - associados a Jesus, estando na mesma relação com o Pai, sendo Ele mesmo a nossa vida Lhe seremos semelhantes, quando Ele aparecer, porque é para isso que estamos predestinados: Vê-Lo tal como Ele é agora junto do Pai, do qual veio a vida que foi manifestada nEle e que nos foi comunicada, e aparecermos na mesma glória.
Tendo, pois, a esperança de O ver tal como Ele é, e sabendo que eu serei perfeitamente semelhante a Ele, quando Ele aparecer, procuro ser-Lhe também tão semelhante quanto possível agora, uma vez que possuo já esta vida, sendo Ele em mim a minha vida.
Eis a medida da nossa purificação prática. Não somos puros como Ele é, mas tomamos Cristo, tal como Ele é no Céu, para modelo e medida da nossa purificação; purificamo-nos segundo a Sua pureza, sabendo que Lhe seremos perfeitamente semelhantes, quando Ele for manifestado.
Antes de estabelecer o contraste entre os princípios da vida divina e os do Inimigo, o apóstolo apresenta a verdadeira medida da pureza (dará a do amor um pouco mais à frente) para os filhos, na sua qualidade de participantes da mesma natureza divina e tendo a mesma relação que Cristo com Deus.
1) Ver a nota precedente (Leituras Cristãs, volume 40, nº 3, página 144).
2)João emprega habitualmente a palavra “meninos” ou “filhinhos”, e não “filhos”, como exprimindo claramente e de maneira mais firme que somos da mesma família. Somos como Cristo perante Deus e o mundo, e assim continuaremos quando Ele aparecer.
Há duas observações a fazer aqui: Em primeiro lugar, "a esperança nEle" não significa a esperança no crente, mas sim uma esperança que tem Cristo por seu objeto. Em segundo lugar, é impressionante ver de que maneira o apóstolo, nesta epístola, parece confundir Deus com Cristo, e emprega a palavra "Ele", para designar Cristo, quando acaba de falar de Deus, e vice-versa. Podemos ver este princípio no fim do capítulo 5, versículo 20: "Sabemos que o Filho de Deus é vindo, e nos deu entendimento para conhecermos o que é verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é, no seu Filho, Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna" . Nestas poucas palavras temos a chave de epístola: Cristo é a Vida! É, evidentemente, o Filho; mas é o próprio Deus que é manifestado, e a perfeição da Sua natureza, que é a fonte de vida também para nós, como esta vida foi encontrada em Cristo homem. Por conseguinte, eu posso falar de Deus, e dizer "nascido dEle" , mas foi em Jesus que Deus foi manifestado, e é dEle que eu tiro a vida, de sorte que "Jesus Cristo" e "Deus", no texto, podem ser substituídos um pelo outro. Assim, é de Cristo que se trata, quando nos é dito:
"Quando ele se manifestar" (capítulo 2:28); "Ele é justo"; o justo é "nascido dEle" (capítulo 2:29). Mas no capítulo 3: 1 encontramos "filhos de Deus”... "O mundo não O conhece"; e, no versículo 2: "Somos filhos de Deus", porém, logo a seguir, "quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele" aqui é Cristo sobre a Terra, e nós purificamo-nos a nós mesmos "como ele é puro". Há muitos outros exemplos do mesmo gênero.
Acerca do crente, é-nos dito que ele "se purifica". Isto mostra que ele não é puro como Cristo é puro. Cristo não tinha necessidade de Se purificar. Por isso não nos é dito: Ele é puro como Cristo é puro (porque, nesse caso, não haveria pecado em nós), mas purifica-se segundo a pureza de Cristo, tal como Ele está no Céu, tendo a mesma vida que a do próprio Cristo.
Tendo apresentado o lado positivo da pureza cristã, João ocupa-se agora dela sob outros pontos de vista, como sendo uma das provas características da vida de Deus na alma.
Aquele que comete pecado (não transgride a lei3 mas) atua sem lei. O seu procedimento é sem o constrangimento, sem a regra de uma lei. Atua sem freio; porque pecar é agir sem o freio de uma lei ou sem o constrangimento de uma outra autoridade atuando contra a nossa própria vontade. Cristo veio para fazer a vontade de Seu Pai e não a Sua própria. Ora, Cristo foi manifestado a fim de tirar os nossos pecados, mas nEle não há nenhum pecado. Assim, aquele que comete pecado atua contra a fim da manifestação de Cristo, e em oposição com a natureza da qual nós participamos, - se Cristo é a nossa vida. Por conseguinte, aquele que permanece em Cristo não pratica o pecado; aquele que peca não O viu nem O conheceu. Tudo depende, como vemos, da nossa participação na vida e na natureza de Cristo. Portanto, que ninguém se engane. Aquele que pratica a justiça é justo, como Ele é justo; porque, participando da vida de Cristo, a gente é, perante Deus, segundo a perfeição daquele que ali Se encontra, o chefe e a fonte desta vida. Mas nós somos assim, como Cristo, perante Deus, porque Ele mesmo é, realmente, a nossa vida. A nossa vida atual não é a medida da nossa aceitação; é Cristo que é essa medida. Mas Cristo é a nossa vida, se formos aceitos segundo a Sua excelência; porque é vivendo da Sua vida que nós ali temos -parte.
Mas o julgamento é mais que negativo. Aquele que pratica o pecado é do Diabo! Tem, moralmente, a mesma natureza que o Diabo, porque o Diabo peca desde o princípio - é o seu caráter original como Diabo. Ora, Cristo foi manifestado a fim de destruir as obras do Diabo; portanto, como poderia estar com Cristo todo aquele que partilha o caráter desse Inimigo de Cristo e das almas?.
Por outro lado, aquele que é nascido de Deus não pratica o pecado. E a razão é evidente: Ao nascer de Deus, é feito participante da natureza de Deus, tirando a sua vida dEle. Fica nele esse princípio da vida divina. A semente de Deus permanece nele; não pode pecar, porque é nascido de Deus. A sua nova natureza não tem, em si, o princípio do pecado, para que ele o cometa. Na verdade, como poderia a natureza divina pecar?! ...
3) Em Romanos 2:12 a palavra é empregada em contraste com a violação da lei e a ação de pecar sob a lei. Quer dizer que a palavra grega empregada aqui para o que é traduzido por "iniquidade" é a mesma que é empregada para pecar sem lei, em contraste com pecar sob a lei, e sendo julgado por ela.
Tendo assim designado as duas famílias, a família de Deus e a família do Diabo, o apóstolo acrescenta a segunda nota, cuja ausência é uma prova de que se não é de Deus. Ele tinha já falado da Justiça; acrescenta agora o amor dos irmãos, pois está aqui a mensagem que os Cristãos tinham recebido do próprio Cristo, a saber, de se amarem uns aos outros. No versículo 12, João faz ressaltar a ligação existente entre as duas coisas: mostra que o ódio de um "irmão" é alimentado pela consciência que ele tem de que as suas obras são más e as do outro boas. Aliás, não devemos maravilhar-nos de que o mundo nos odeie; sabemos que já passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. E se este amor é uma prova essencial de que estamos regenerados, é perfeitamente natural que não o encontremos nos filhos do Diabo. E, neste caso, aquele que não ama o seu irmão (solene pensamento!) permanece na morte. Além disso, aquele que não ama o seu irmão é homicida; e um assassino não tem a vida eterna. Há nele a ausência da natureza divina - a morte; e, além disso, a atividade do velho homem na outra natureza: ele odeia, e é, em espírito, a atividade da morte - um homicida.
Além disso, como no caso da Justiça e da pureza, temos, em Cristo, a medida desse amor. Por isso conhecemos o amor: Assim como Ele deu a Sua vida por nós, também nós deveríamos dar as nossas vidas pelos irmãos. Ora, se ao nosso irmão falta o indispensável à vida, e nós, possuindo bens deste mundo, não provemos as suas necessidades - é isto o amor divino que fez com que Cristo desse a Sua vida por nós? É por meio deste amor real e prático que nós sabemos que estamos na verdade, e que o nosso coração está firme e seguro perante Deus. Porque, se não houver nada a pesar-nos na consciência, estamos confiantes na Sua presença; mas se o nosso próprio coração nos condena, Deus conhece ainda mais ...
Não se trata, aqui, do meio de nos assegurarmos da nossa salvação, mas de termos confiança na presença de Deus. E não podemos tê-la com uma má consciência no sentido prático do termo, porque Deus é sempre luz e sempre santo.
Por isso receberemos tudo o que pedirmos, quando andarmos assim em amor, perante Ele, fazendo o que é agradável aos Seus olhos; porque, caminhando assim na Sua presença, com confiança, o coração e os desejos respondem a essa influência bendita, sendo formados pelo prazer da comunhão com Ele, à luz da Sua face. É Deus que anima o coração - esta vida e esta natureza divina, de que a epístola fala, estando em plena atividade e sendo iluminadas a movidas pela presença divina, na qual encontram as suas delícias. Assim, as nossas petições não são senão para o cumprimento dos desejos que nascem quando esta vida, quando os nossos pensamentos estão cheios da presença de Deus e das comunicações da Sua natureza. E Ele empresta o Seu poder ao cumprimento desses desejos de que Ele é a fonte e que são formados no coração pela revelação de Si mesmo (ver João 15:7).
Esta é, de fato, a posição do próprio Cristo, quando Ele estava neste mundo. Simplesmente, Ele era perfeito (ver João 8:29 e 10:42).
Ora, está aqui o mandamento de Deus, ao qual Ele quer que nós obedeçamos, a saber, que creiamos no Nome de Seu Filho, Jesus, e que nos amemos uns aos outros assim como Ele nos mandou.
Ora, aquele que guarda os Seus mandamentos permanece nEle; e Ele também permanece neste homem obediente. Perguntar-se-á se é de Deus ou de Cristo que se trata aqui. O apóstolo, como dissemos já, confunde Deus e Cristo no seu pensamento, isto é, o Espírito Santo une-Os nos nossos pensamentos. Nós estamos naquele que é verdadeiro, isto é, no Seu Filho Jesus Cristo. É Cristo que é, em vida no Homem, a apresentação de Deus aos homens, e, para o crente, a comunicação desta vida que faz com que Deus também permaneça nEle, pela revelação, na Sua divina excelência e na Sua divina perfeição, da natureza em que o crente participa no poder do Espírito Santo, que habita nele, de tal sorte que o amor é ao mesmo tempo provado e exercido.
Mas que maravilhosa graça esta termos recebido uma vida, uma natureza pela qual somos capazes de gozar do próprio Deus, que habita em nós, e pelo qual, visto estar em Cristo, estamos, de fato, no gozo desta comunhão, desta relação com Deus! Quem tem o Filho, tem a vida; mas Deus permanece nele como sendo a parte, assim como a fonte desta vida - e aquele que tem o Filho tem o Pai!
Que maravilhoso encadeamento que é este gozo vital e vigoroso, pela comunicação da natureza divina de Aquele que dele é a fonte - e isto segundo a Sua perfeição em Cristo! Tal é o Cristão segundo a graça. É obediente, porque esta vida em Cristo Homem (e é assim que ela se toma nossa), era a própria obediência, a verdadeira relação do homem com Deus.
A Justiça prática é, pois, uma prova de que somos nascidos dEle, que, na Sua natureza, é a fonte desta justiça. Em presença do ódio do mundo, também sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Assim, tendo uma boa consciência, temos confiança em Deus e receberemos dEle o que Lhe pedirmos, se andarmos em obediência e de maneira que Lhe seja agradável. Andando assim, permanecemos nElé, e Ele em nós.
Aparece-nos aqui uma terceira prova dos nossos privilégios cristãos: O Espírito que Ele nos deu é a prova de que Ele mesmo permanece em nós, é a manifestação da presença de Deus em nós. O apóstolo não acrescenta aqui que nós permanecemos nEle, porque é da manifestação da presença de Deus que se trata aqui. A presença do Espírito assim o demonstra. Mas permanecendo nEle, como veremos mais à frente, gozaremos daquilo que Ele é, e, por consequência, estamos em comunhão moral com a Sua natureza. Aquele que obedece, goza também dessa comunhão, como vimos já. Trata-se aqui da presença do Espírito Santo como demonstração de uma parte somente desta verdade, a saber, que Deus está em nós. Mas a presença de Deus em nós, segundo a graça e segundo o poder do Espírito, compreende também a comunhão com essa natureza; nós permanecemos também nEle, de quem tiramos esta graça e todas as formas espirituais desta natureza na comunhão e na vida prática. É nos versículos 12 e 16 do capítulo 4 que o apóstolo fala deste assunto.
A justiça prática ou obediência, o amor dos irmãos, a manifestação do Espírito de Deus, tais são as provas das nossas relações com Deus. Aquele que obedece aos mandamentos do Senhor na justiça prática permanece nEle e Deus nele. O Espírito dado é a prova de que Ele permanece em nós.
4) Aqui, o fato de permanecer nEle vem em primeiro lugar, porque é a realização prática num coração obediente. A sua permanência em nós é em seguida considerada à parte como conhecida por meio do Espírito que nos foi dado, para nos guardar de sermos enganados pelos espíritos malignos. No capítulo 4:7, o apóstolo retoma a questão da permanência em nós, em relação com o amor de Deus.
Manejando Bem a Palavra da Verdade