“Até quando não apartarás de mim, nem me largarás, até que engula a minha saliva? Se pequei, que te farei, ó Guarda dos homens? Por que fizeste de mim um alvo para ti, para que a mim mesmo me seja pesado?” (Jó 7:19–20).
"Porque eu, Senhor?" Você já fez essa pergunta a Deus? Admitamos que todos temos feito (ou pelo menos pensado) essa pergunta em uma ocasião ou outra, especialmente nos momentos em que estivemos sob grande pressão ou expostos a fortes dores. Há milhares de anos, havia um homem chamado Jó que, quando foi atingido por uma grande aflição, fez essa pergunta a Deus, e Deus lhe respondeu. Essa resposta de Deus está registrada no livro do Jó no Antigo Testamento, que foi escrito para o nosso proveito (cf. Rm 15:4). Reflitamos a respeito dessa história de Jó, tão antiga, e examinemos cuidadosamente a resposta de Deus para ver como ela se aplica a nossa pergunta hoje: "Porque eu, Senhor?".
"Porque eu, Senhor?" é, na realidade, parte de uma questão muito mais ampla que está sendo debatida no livro de Jó. Como um bom Deus de amor e misericórdia, que é ao mesmo tempo onisciente e onipotente, permite o sofrimento? Especialmente o sofrimento de pessoas inocentes e justas? Isso é característico de um Deus justo? Essa aparente contradição já tem causado muitas indagações e questionamentos. Ainda que às vezes seja incompreensível para nós, devemos reter com total convicção que Deus é onipotente e justo e ao mesmo tempo bondadoso e misericordioso, e sempre tem propósitos de amor para conosco (cf. Rm 8:28). É com essa perspectiva que devemos ler o livro de Jó.
O aspecto particular do sofrimento, o qual é abordado neste livro, é o objetivo do sofrimento para um crente. No entanto, não é a intenção deste livro da Bíblia dar uma resposta completa que abranja todos os detalhes do amplo leque dos sofrimentos. Vemos em Jó que Deus permite sofrimentos para executar Seu bom propósito em nossas vidas. Mas, também nesse sentido, o livro não oferece uma abordagem exaustiva dos muitos caminhos pelos quais Deus usa o sofrimento para o nosso bem. Não obstante, de um breve estudo do livro de Jó resultam três respostas claras para a pergunta: "Por que eu, Senhor?".
A primeira e mais óbvia razão para o sofrimento de Jó consistia em que Deus queria provar a fé de Jó. A Bíblia ensina que Deus prova a confiança (a fé) dos crentes para manifestar a sua autenticidade. Em 1 Pedro 1:7 lemos que uma fé provada é muito mais preciosa que o ouro, e redunda em louvor, glória e honra para Deus. Quando Deus prova nossa fé, é como um pai testando o caráter de seu filho, não permitindo que ele somente brinque o tempo todo, mas também dando-lhe tarefas que exigem responsabilidade. Como o pai fica feliz quando descobre que seu filho se comporta corretamente mesmo em circunstâncias difíceis.
Nos dois primeiros capítulos do livro, vemos que Deus permite circunstâncias que são uma dura prova para a fé de Jó. No início do capítulo 1, Jó era um homem que tinha grande riqueza, influência e uma fé sobressalente. A avaliação de Deus acerca disso encontramos no capítulo 1:1, "íntegro, reto e temente a Deus e desviava-se do mal". Deus poderia avaliar nossa fé e caráter do mesmo modo?
Enquanto avançamos na história de Jó, vemos duas enormes ondas de desastres que atingem inesperadamente o patriarca, e ele luta para manter sua confiança. Na primeira onda, ele perde todos os seus filhos e todas as suas posses. Considere a extensão de tal perda! Em comparação com isso, muitos dos nossos "Porque eu?" estão completamente fora de lugar. Apesar dessa perda trágica, Jó reconhece a verdade de que tudo o que temos nesta vida, recebemos da mão graciosa de Deus. Ele adorou a Deus e disse: "O Senhor o deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor." (1:20– 21). O diagnóstico da fé de Jó, depois desta primeira onda de tribulação, é descrito no versículo 22: "Em tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma".
A segunda onda de infortúnio chegou ainda mais perto de seu lar. Seu próprio corpo foi assolado. Úlceras malignas o cobriram (2:7). Sua pele estava coberta com torrões de pó, com gretas e pus, atraindo vermes (7:5). A febre e a dor severa não diminuíam (2:13; 30:17, 30).
Que confiança em Deus se veria em nós, sob condições tão terríveis? A resposta de Jó só poderia vir de uma confiança profundamente arraigada em Deus: "receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal?". Novamente, o diagnóstico de Deus quanto a fé testada de Seu servo:
“Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios” (Jó 2:10).
Mas Deus tinha mais em mente ao permitir os sofrimentos de Jó do que apenas elaborar um diagnóstico de sua fé. Ele queria levar Jó a progredir na sua fé. Sim, mesmo a fé do paciente Jó necessitava amadurecer. Embora Jó não negasse a Deus na difícil provação, ele pergunta: "Porque eu, Senhor?" (7:19–20). Os capítulos 3–31 mostram realmente que as réplicas, constantemente repetidas, de Jó aos conselhos de seus amigos, essencialmente giram em torno à pergunta: "Por que eu?"
Jó não conseguia entender por que Deus permitia que tudo isso viesse sobre ele. Deus realmente sabia o que fazia? Elifaz, Bildade e Zofar pensavam que eles sabiam. Sua lógica era simples. "Todo sofrimento é a consequência do pecado. Jó sofre e, portanto, pecou". Mas Jó insistia firmemente em sua inocência. Neste ponto, Jó estava certo e seus conselheiros não. Portanto, eles, e não Jó, tiveram que oferecer sacrifícios no final da história (42:7–9). Mas Jó estava errado porque ele questionou os caminhos de Deus, e por causa de sua atitude "Porque eu?". Esta era a área onde a fé de Jó devia crescer — e a nossa também!
Nos capítulos 32–37, Eliú passa a falar. Um quarto conselheiro que se aproxima mais da verdade do que os três primeiros, Ele diz a Jó que Deus o está educando e que ele deve se submeter a Ele, em vez de questioná-Lo. Evidentemente, Deus utilizou Eliú para preparar Sua própria resposta para Jó. Vale ressaltar que, no final, Eliú não precisou oferecer sacrifícios, e que Jó ouviu as palavras de Eliú em silêncio.
Finalmente, Deus dirigiu-se diretamente a Jó, e a resposta de Deus lhe tirou totalmente as bases da sua argumentação! Por meio de uma série de perguntas, Deus deu a Seu servo um vislumbre de Seu infinito conhecimento e Seu infinito poder.
“Porventura também tornarás tu vão o meu juízo, ou tu me condenarás, para te justificares? Ou tens braço como Deus, ou podes trovejar com voz como ele o faz? Orna-te, pois, de excelência e alteza; e veste-te de majestade e de glória.” (Jó 40:8–10).
Mas a resposta de Jó foi bela e uma clara prova do progresso em sua fé. Veja Jó 42:1–6!
Jó reconheceu sua insignificância e ignorância. Ele retirou seu antigo "Porque eu?" — e lamentou sua atitude errada. Começou a perceber que Deus via a totalidade da situação e tinha tudo em sua mão, mesmo o infortúnio de Jó. Ele se curvou humildemente sob a mão de Deus na expectativa de mais instruções. Ele fez um enorme progresso na sua fé.
Deus também quer nos fazer avançar em nossa fé. "Porque eu, Senhor?" não é uma blasfêmia, mas pelo menos um sinal de imaturidade. Na realidade, essa pergunta sugere que nos sentimos feridos, embora inconscientemente, em nossa autojustiça e orgulho. Questionar os caminhos de Deus em nossas vidas com uma atitude insubmissa, ou mesmo pensar que Deus é injusto ou que Ele não sabe realmente o que está fazendo, é essencialmente o pecado do orgulho. Atrás disso se esconde uma fé que ainda precisa crescer e amadurecer para saber quem Deus é realmente. Nos tempos em que a vida decorre calmamente, muitas vezes nos sentimos satisfeitos conosco mesmos e condenamos os outros. Paradoxalmente, são justamente as situações da vida que nos fazem perguntar "Porque eu, Senhor?" onde as atitudes erradas começam a mudar. Um cristão que está crescendo aprende a submeter-se humildemente à mão de Deus e a confiar em Seus caminhos insondáveis. Tua fé está crescendo?
A intenção de Deus nos sofrimentos de Jó era também tornar visível a sua fé. Jó era a pessoa de grande importância representativa para Deus — não só para os homens da terra, mas também aos olhos dos seres celestiais. Em Jó 1:6–8 e 2:1–3, as perguntas de Deus a Satanás deixam bem claro que a fé de Jó se manifestou no mundo invisível. Embora sua fé não fosse perfeita e estava em um processo de desenvolvimento, Deus se alegrava em apontar a fé de Seu servo.
Deus pode alegrar-se no desdobramento da nossa fé? O fato de que multidões de anjos (bons e maus) estão observando o testemunho de nossa fé deve motivar-nos a sermos mais firmes no andar cristão. Lembremos de que Satanás é chamado de "acusador" dos irmãos (cf. Zc 3:1 e Ap 12:10). Infelizmente, o inimigo de nossas almas geralmente descobre em nossas vidas evidências suficientes para basear suas acusações.
É reconfortante saber que, com vistas à manifestação de nossa fé, Deus nunca permitirá uma situação em que nossos sofrimentos se tornem tão grandes que nossa fé fracassaria. Notemos que Deus estabelece limites, até que ponto Satanás pode ir para aquecer o cadinho da vida de Jó (1:12; 2:6). Em 1 Coríntios 10:13, lemos que Deus não permitirá tentação além da nossa capacidade. A cerca de proteção que cercou Jó (1:10) também nos rodeia igualmente. Só será diminuída quando formos fortes o suficiente para poder lidar com a situação.
O último capítulo do livro mostra a comovente restauração de Jó. As intenções de Deus nos sofrimentos de Seu servo foram alcançadas, e agora as bênçãos divinas foram derramadas sobre ele. Nós também iremos conhecer tais bênçãos duradouras de Deus em nossas vidas, quando compreendermos a resposta de Deus à pergunta: "Porque eu, Senhor".
D. R. R.